quarta-feira, 23 de junho de 2010

Repressão - Como e por quê?

Muito se fala em movimentos sociais, em “levantar bandeiras”, em lutar por determinadas causas. Mas, no caso do movimento LGBT e, mais especificamente ainda, do movimento lésbico, pelo que estamos brigando? Até que ponto, de fato, entende-se ou enxerga-se a repressão sofrida pelas mulheres? E, mais que isso, essa repressão é de fato uma briga de mulheres lésbicas ou de todas as mulheres, pelos seus direitos, pela sua liberdade, pela sua manifestação, seja ela qual for?

O primeiro agente responsável pela das minorias sociais é o próprio Estado, através da sua Constituição Federal, que não garante direitos específicos em relação à homossexualidade. Dentre os 37 direitos civis negados aos homossexuais, estão a união civil – e todos os demais direitos que ela garante ao casal estabelecido a partir do contrato de casamento – e a livre vivência da sexualidade. O Estado diz-se livre e garante ser solo seguro para a liberdade de expressão, de credo e sexual. De acordo com parte do texto da Constituição Federal: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. – Termo X: São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

No entanto, tal liberdade, sem distinção de qualquer natureza, não se legitima na prática. Pelo menos, não quando os próprios cidadãos são agentes coercivos da liberdade individual e transitam impunes hasteando bandeiras discriminatórias e violentas. Dessa forma, a homofobia continua sendo a tônica da maioria dos estados estabelecidos a partir da lógica patriarcal. A Espanha, dentre outros países europeus, tornou legítima (Lei 13/2005, aprovada pelo Congresso espanhol em 30 de junho de 2005), a união civil e, com isso, não apenas fez eco às reivindicações de diversos grupos organizados de gays e lésbicas do estado espanhol como, também, criou meios de a vivência livre da sexualidade ser legitimada pelo Estado e, a partir disso, deixar de ser um direito implícito para ser um direito explícito pela constituição e garantido em sua totalidade.

O segundo agente contribuinte da repressão sexual é a própria comunicação, que contribui efetivamente para a criação e disseminação do estereótipo da mulher lésbica. A estudiosa espanhola Raquel Platero aponta a falha da representação produzida pelos meios de comunicação (através de novelas, matérias pouco aprofundadas, seriados, etc): a construção de uma sexualidade e não a sua representação tal como é. De acordo com Platero, os meios escolhem quais elementos mostrar e quais ocultar ao longo dessa construção, gerando identidades que são próximas e correspondentes ao imaginário heterossexual. Ademais, mostram as minorias sexuais como novos caminhos para o mercado, não se tratando, dessa forma, de ser um reconhecimento social ou um reconhecimento de identidades portadoras de cidadania, mas, sim, representações de objetos de consumo, que mantém a ordem social e econômica dominante. É preciso, então, atentar-se para a qualidade da representação e da construção da imagem da mulher lésbica.

O terceiro agente é a própria mulher, a qual, segundo outra estudiosa espanhola, Amparo Sáenz, pode ter diversas respostas para o estigma ou estereótipo que lhe é imposto, reforçando duas, totalmente opostas. Na primeira, o indivíduo pode reforçar o estereótipo, fornecendo ou adotando posturas pré-determinadas pela sociedade para o grupo ao qual pertence. A segunda resposta corresponde à chamada “força das minorias para a mudança social”. Nesta, ocorre a adoção de uma postura de luta e inconformismo social, amplamente defendia por Sáenz, que afirma a necessidade de o indivíduo batalhar pela sua liberdade, pela erradicação da discriminação sócio-cultural e pela garantia da vivência de sua orientação sexual.
Além disso, a informação e sensibilização acerca da vivência da sexualidade, da normalidade da homossexualidade e a adoção de atitudes e valores positivos em relação à própria orientação sexual são formas de garantir a plena convivência e integração social. Ou seja, é necessário que a mulher lésbica dispa-se dos próprios preconceitos e estereótipos em relação à sua sexualidade para que, então, a sociedade passe a vê-la com a mesma naturalidade.




Raquel Platero é autora do livro Lesbianas: Discursos y Representaciones (sem tradução para o português).

Amparo Sáenz é autora de diversos artigos sobre as relações sociais e sexuais das mulheres lésbicas, dentre os quais estão: “¿Lesbiana? Encantada, ¡es un placer!: Representación de las lesbianas en Euskal Herria a través de los grupos organizados.” e “La escuela ante la orientación sexual”

Editorial - É...uma revista feminina!

Antes de qualquer coisa, neste primeiro editorial, creio que sejam necessários alguns questionamentos: por que mais uma revista feminina dentro de um mercado tão cheio de publicações deste tipo? Por que Política, Cultura, Educação? Com que propósito mais informações, sendo que, algumas delas, talvez, já tenham sido bastante discutidas, mastigadas, ruminadas por tantos?

É...uma revista feminina!

A paraLelas surge com o propósito de não ser, apenas, mais uma revista feminina típica. Aliás, seu propósito é, justamente, o de tentar mudar o conceito daquilo que se entende por, essencialmente, feminino. Não falaremos de homens bonitos, ou de mulheres gostosas. Sequer, falaremos de homens. Mas, sim, iremos expor as mulheres às mulheres. Mostrar o outro lado de uma feminilidade esquecida e deixar claro que, sim, existem mulheres que pensam, que produzem e repensam sua condição social, todos os dias. Mostraremos o outro lado da Política, da Cultura, da Educação, sem poupar críticas, sem meias-palavras. Muito mais do que a porção burocrática de cada um desses temas, trataremos daquela necessária, falaremos de cidadania. Política feita por mulheres? Nem sempre. Mas, todos os dias, vivida por elas. Política que afeta nossa condição civil, Educação e Comportamento que determinam nosso meio de convivência social, Cultura que, muito mais do que nos alimentar o espírito, nos faz pertencer a algo que só nós entendemos: o ser mulher. Assuntos recorrentes, discutidos, muito abordados. Mas, com outro foco. À luz de uma indagação que, seguramente, guiará toda e qualquer tentativa de resposta: qual a nossa função social e nossa contribuição enquanto cidadãs.